quinta-feira, abril 27, 2006

Ruy Barbosa tinha razão

Coloquei aqui o discurso de Ruy Barbosa (postagem abaixo), com a célebre frase em destaque, pois apesar de ter sido proferida em 1914, está cada vez mais atual. As pessoas se sentem cercadas por hipocrisia e desrespeito, e muitas acabam fingindo serem assim também para não se sentirem excluídas, ou então escondem bons sentimentos para não parecerem bobas. Com o tempo, boas atitudes vão se perdendo em virtude de não serem cultivados e outras nem tão boas assim vão sendo inseridas nos nossos costumes, por força do hábito.
Foi notícia em vários jornais de ontem o fato ocorrido com Márcio Ramos, segurança de um clube de golfe de Porto Alegre. Ele encontrou um envelope contendo 6 mil dólares e devolveu a quantia ao ricaço distraído. Márcio afirmou: “Poderia tirar os meus filhos do meio dos ratos com aquele dinheiro, mas não seria justo ficar com algo que não era meu”.
Agora Márcio sofre chacota de amigos, vizinhos e colegas, pois para eles, o segurança fez papel de idiota ao devolver quantia equivalente a 3 anos do seu salário. Ele recebe cerca de R$ 350,00 mensais.
Talvez (e só talvez) o dono do dinheiro tenha pensado que ele próprio não faria o mesmo se achasse dinheiro por aí, pois pelo imaginário popular, ‘achado não é roubado’.
Há vários casos de pessoas que se sentem incomodadas ao tentarem agir de um jeito honesto e respeitoso com os outros. Cito aqui o caso do Daniel.
Daniel é um amigo e colega de faculdade, pessoa das mais pensantes que eu conheço (ele está sempre questionando algo). Parece ser meio biruta, mas a gente se acostuma com o tempo.
Bem, o Daniel é fumante inveterado, daqueles que sai no meio da aula para fumar, pois não agüenta esperar até o intervalo (não adianta negar, Daniel, que é isso mesmo). Acontece que ele não joga nada no chão. Eu penso que ele está certo, pois se eu vejo alguém jogando lixo no chão, berro na mesma hora, ué, onde já se viu uma coisa dessas. O Daniel também é assim, desses que não jogam nem uma simples bituca de cigarro na grama. Daí o cara tem que ficar um tempão com a tal bituca na mão, pois pra se achar lixeiras e cinzeiros por aí não é nada fácil.
Pois pasmem, tem gente que reprova essa atitude do Daniel, pois acha que uma bituquinha de cigarro não pode fazer mal ao meio-ambiente nem polui nada, blá, blá, blá. Ou então dizem que pessoas assim só querem aparecer.
O Daniel, o segurança e mais um monte de gente por aí tentam fazer desse mundo um lugar melhor, não só pra eles, mas para todos nós. Acontece que são sempre taxados de loucos, idiotas, babacas e otras cositas mas.
Não se preocupe, Daniel, tu não és louco. Louco é quem só se preocupa com o próprio umbigo.
Não se preocupe, Márcio. Tu não és babaca. Babaca são os que tentam se aproveitar dos outros. Teus filhos podem até não morar com dignidade, mas têm exemplos de dignidade dentro de casa.
Agradeço a vocês, Daniel e Márcio. Continuem sendo assim mesmo como vocês são. Nem mais, nem menos.

Vergonha de ser honesto

Discurso de RUY BARBOSA no Senado Federal, em 1914:

"A falta de justiça, Srs. Senadores, é o grande mal da nossa terra, o mal dos males, a origem de todas as nossas infelicidades, a fonte de todo nosso descrédito, é a miséria suprema desta pobre nação. A sua grande vergonha diante do estrangeiro, é aquilo que nos afasta os homens, os auxílios, os capitais.
A injustiça, Senhores, desanima o trabalho, a honestidade, o bem; cresta em flor os espíritos dos moços, semeia no coração das gerações que vêm nascendo a semente da podridão, habitua os homens a não acreditar senão na estrela, na fortuna, no acaso, na loteria da sorte, promove a desonestidade, promove a venalidade, promove a relaxação, insufla a cortesania, a baixeza, sob todas as suas formas.
De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.
Essa foi a obra da República nos últimos anos. No outro regime (a Monarquia), o homem que tinha certa nódoa em sua vida era um homem perdido para todo o sempre, as carreiras políticas lhe estavam fechadas. Havia uma sentinela vigilante, de cuja severidade todos se temiam e que, acesa no alto (o Imperador, graças ao Poder Moderador), guardava a redondeza, como um farol que não se apaga, em proveito da honra, da justiça e da moralidade"

Obs.:
1 - Os parênteses no último parágrafo foram adicionados para dar maior compreensão do texto.
2 - Rui Barbosa ocupava o cargo de Ministro da Fazenda no Ministério do Governo Provisório (1889-1891), presidido por Deodoro da Fonseca.

quarta-feira, abril 26, 2006

Antiquado










Por Rogério M. Gomes.

terça-feira, abril 25, 2006

Mídia corporativa

Quando é que a imprensa brasileira vai ser isenta de verdade. Estou cansado de só receber meias notícias e ter sempre que decifrar o que está por detrás das manchetes dos jornais.
Quando leio que tal ministro deve sair, faço um exercício de raciocínio e tento ver onde esse ministro não agrada, em que ocasião ele ‘comprou briga’ com a imprensa, etc. Quando leio algo de positivo sobre alguém, imagino os interesses que há por trás das ações desta pessoa, e assim por diante. Pode parecer paranóia minha, mas com o tempo agente se acostuma a ler nas entrelinhas, e se dá conta de que não recebe notícia de verdade, mas só informações distorcidas que interessam a alguém ou a algum grupo econômico.
Vale lembrar o caso ‘Filho de FHC’. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso teve um affair com a jornalista da Globo Miriam Dutra, e do romance nasceu um filho. Isto tudo durante a campanha para presidente, em 1994. A jornalista foi exportada para a Espanha. Toda a imprensa sabia do fato, mas ninguém noticiava nada, pois diziam que não era um ‘fato relevante’. Em contrapartida, durante a mesma campanha, a imprensa ‘desenterrou’ uma ex-namorada do Lula, que ‘achava’ que o filho dela era fruto do namoro com o ex-operário. Isso virou notícia relevante.
Mas esse é só um exemplo dentre vários.
Está em alta, principalmente no RS, a discussão sobre a destruição de laboratórios e viveiros da Aracruz Celulose por parte de integrantes (mulheres) da Via Campesina.
A mídia sempre mostra uma imagem positiva desta multinacional, divulgando suas ações em tecnologia e pesquisa, que veio trazer desenvolvimento para o nosso país, que vai criar empregos, que gerará receita, que pagará impostos, que será benéfico, que isso, que aquilo, que um monte de coisas.
Agora, a Aracruz pousa, com a conivência da imprensa, de vítima dos vândalos do MST, e mais uma vez não é divulgada a notícia desde o início.
Em janeiro deste ano, 120 agentes da Polícia Federal, utilizando helicópteros e máquinas da Aracruz Celulose, invadiram aldeias indígenas, prendendo e ferindo pessoas e ateando fogo em suas casas, no município de Celulose-ES, a fim de cumprir mandado de reintegração de posse. A ação foi totalmente ilegal, pois não foram avisados a Comissão de Caciques, a Funai e o Ministério Público. Mas isso não vira manchete, nem gera debate. A maioria da população desaprova as ações do MST, mas desconhece os abusos causadores dessas ações.
Por que todo dia sai uma notícia ou comentário sobre a destruição dos laboratórios, mas nunca saio nem uma notinha sobre o ato arbitrário da Polícia Federal ?!?
Ainda em janeiro deste ano, Misilvam Chavier dos Santos, conhecido figurão do PSDB de Tocantins, foi preso com 500 quilos de cocaína, mas o caso foi abafado pela imprensa, apesar de ter sido noticiado no jornal argentino La Nación. E quem noticiou não comentou a filiação partidária do traficante.
Sempre o tal interresse por detrás da manchete.

Fonte: jornalista José Arbex Jr.

quarta-feira, abril 19, 2006

CNBB x Aracruz

Recebi por e-mail uma piada (meio sem graça, por sinal) que questiona o modo de vida dos sem-terra, afirmando que o emprego deles (como se ser sem-terra fosse emprego) é algo maravilhoso, pois não paga imposto, ganha tudo de graça do governo, não precisa se esforçar, etc.
Como piada, até poderia ter algum valor, mas nunca podemos esquecer que o protesto de uns pode garantir melhorias para todos. Ontem mesmo o bispo dom Tomás Balduíno, presidente da Pastoral da Terra defendeu o ato de destruição do laboratório da Aracruz, e disse que vandalismo foi a Aracruz ter desmatado milhares de hectares de terras para plantar eucaliptos e pínus, destruindo 1.500 nascentes. Pena que só virem piadas os excessos do MST. Os excessos que o poder público comete todos os dias para favorecer grandes grupos econômicos são vistos como incentivos à economia.
No início do ano, uma mulher foi presa por roubar um pote de margarina, e teve gente dizendo que ela deveria ficar na cadeia e dar exemplo aos outros, evitando que cada pessoa que passe fome roube algo para comer. A elite do país tenta impedir protestos e reivindicações do povo, pois sabe que ele tem razão, mas tem medo que ele busque o que é seu de direito.
No Brasil sempre se roubou terra. Os grandes fazendeiros roubavam terras dos índios, do governo, de pequenos proprietários e até deles mesmos. Era, e ainda é muito comum o ato de ‘estender’ a cerca da fazenda alguns quilômetros adiante. Nunca ninguém deu bola para isto, pois a terra sempre foi de quem quisesse. Isso só virou caso de polícia quando os pobres começaram a invadir terras improdutivas.
Quando rico rouba, bem feito pra quem foi roubado, quem mandou não cuidar do que é seu. Quando o ladrão é o pobre, daí é caso de polícia, são marginais, vagabundos, isto é um absurdo, temos que proteger a propriedade, etc.
Não podemos nos deixar enganar por manchetes de jornais.

quarta-feira, abril 12, 2006

Feriadão


Bem, feriadão está aí. Aproveitem para descansar, recolocar os planos em dia e curtir a família. Cuidem-se nas estradas, que estarão lotadas e manerem no chocolate.
Boa páscoa a todos.

Regimes de governos

Pra descontrair um pouco, aqui vai uma visão bem humorada dos Regimes de Governo.

SOCIALISMO: Você tem duas vacas, o governo toma uma e dá a outra para o seu vizinho.

COMUNISMO: Você tem duas vacas, o governo toma as duas e te dá um pouco de leite.

FASCISMO: Você tem duas vacas, o governo toma as duas e vende o leite para você.

NAZISMO: Você tem duas vacas, o governo toma as duas e te mata.

BUROCRACIA: Você tem duas vacas, o governo toma as duas, mata uma e joga o leite da outra fora.

DEMOCRACIA: Você tem duas vacas, vende as duas para o governo, muda para a cidade e consegue um emprego público.

ANARQUISMO: Você tem duas vacas, mata as duas e faz um belo churrasco.

CAPITALISMO: Você tem duas vacas, vende uma, compra um touro e o governo toma os bezerros como imposto de renda na fonte.

sexta-feira, abril 07, 2006

Roubaram o túnel

Tirado ontem da coluna do Josias de Souza.

Conselho de Ética descobre que roubaram o túnel

A absolvição de João Paulo “R$ 50 mil” Cunha teve o efeito de última gota. Entornou a paciência. Pelo menos oito integrantes do Conselho de Ética da Câmara puseram sobre a mesa suas cartas de renúncia. Cansaram de fazer papel de palhaço.

O primeiro da lista (...) é o deputado Cezar Schirmer. Foi ele que, em relatório lapidar, recomendou que o mandato de João Paulo fosse passado na lâmina.

"A absolvição significa que pegar dinheiro de empresa não é aético, que mentir reiteradamente não é indecoroso e que fazer contrato que fere o interesse público também não é aético", disse Schirmer. "De certa forma o que se disse foi: 'repitam tudo isso que foi feito, pois nada vai acontecer com ninguém'. Isso é inaceitável."

Estão entregando o nariz de plástico no Conselho de Ética, além de Schirmer, os deputados Júlio Delgado (PSB-MG), Nelson Trad (PMDB-MS), Chico Alencar (PSOL-RJ), Orlando Fantazini (PSOL-SP), Carlos Sampaio (PSDB-SP), Marcelo Ortiz (PV-SP) e Cláudio Magrão (PPS-SP).
Integram o colegiado 15 palha..., digo 15 deputados titulares e 15 suplentes. A debandada pode aumentar até o final do dia. Sentindo o chão fugir-lhe dos pés, o deputado Ricardo Izar (PTB-SP), que preside o Conselho, realiza uma reunião de emergência. Ele tenta conter o abalo sísmico. Rejeitou os pedidos de renúncia. Não se sabe ainda quantos deputados aceitarão reacomodar na face o nariz de plástico.

Vai aqui um conselho do signatário do blog ao presidente do conselho: Vá pra casa, Excelência. Renuncie também. Já não se enxerga luz no fim do túnel. Aliás, roubaram o túnel. Ao sair, entregue as chaves à deputada Ângela ‘Pé de Valsa’ Guadagnin (PT-SP).

quinta-feira, abril 06, 2006

Espécie em extinção

quarta-feira, abril 05, 2006

Salve, salve o povo guarani

Texto extraído da revista Caros Amigos nº 108.

“Entre os dias 5 e 10 de fevereiro de 1756 foram escritas algumas das páginas mais bonitas da história do nosso povo. Nesse período se travaram batalhas que definiram a propriedade do território, que hoje é o Rio Grande do Sul. De um lado, dois exércitos fortemente armados e unidos, do império espanhol e do império português, abençoados pelo império do Vaticano, que os acompanhava. Do outro, o povo guarani, que vivia sossegadamente organizado em sete povos, defendendo sua cultura, sua forma de viver e seu território. Duzentos e cinqüenta anos depois, nos reunimos durante quatro dias, mais de 10.000 pessoas, a maioria jovens, militantes sociais da cidade e do campo, de todo o sul do Brasil. E, entre nós, 1.500 representantes do povo guarani, vindos de três países, fora o Brasil: Argentina, Paraguai e Bolívia. Formamos um acampamento em São Gabriel, Rio Grande do Sul, para reverenciar o povo guarani e o martírio do seu líder Sepé Tiaraju.
Mas o que fomos celebrar em São Gabriel, se houve uma derrota, um massacre do povo guarani?
Para entender a importância do nosso acampamento e das homenagens aos derrotados, vamos recorrer à história. Os povos guaranis, charruas, minuanos e tapes habitam, desde tempos imemoriáveis, o território hoje conhecido como Rio Grande do Sul (segundo estudos antropológicos, há provas da presença humana na região das missões há 12.000 anos). E entre os anos de 1600 e 1756 floresceu uma civilização extremamente progressista na região noroeste do território gaúcho, o que compreende desde o norte do Uruguai até o noroeste do Rio Grande do Sul, nas margens do rio Uruguai, e ultrapassando o rio, onde hoje é a província de Missiones, na Argentina e parte do sul do Paraguai. Nesse território se concentraram os povos guaranis e seus aliados charruas. Organizaram uma forma de vida social impressionante. Foi uma aliança entre o saber milenar de seu povo, com o enciclopedismo europeu que veio com a Companhia de Jesus. Nestes 150 anos desenvolveram 33 cidades, que chegaram a ter entre 5.000 e 15.000 habitantes cada uma. Toda terra era de uso e posse coletivos. O trabalho era organizado de duas formas. Uma parte era de para toda a comunidade e realizado de forma coletiva, e uma pequena parte do tempo podia ser dedicado a afazeres domésticos e cultivos familiares. Não havia fome. Não havia desigualdade social. Não havia pobres e ricos. Todos eram iguais. Existiam já naquela época, pasmem, escolas e, segundo os registros, todas as crianças deviam ir para a escola a partir dos 6 anos (imaginemos que a primeira escola pública no Brasil foi fundada bem depois, por dom Pedro II, em 1840). Nesse sistema econômico, chegaram a ter mais de 4 milhões de cabeças de gado, originalmente trazidos pelos jesuítas e adaptados ao pampa gaúcho. Havia fartura de alimentos. E grande parte do tempo as pessoas dedicavam a atividades culturais, festas, cantorias e intercâmbio. No povoado de São Miguel das Missões registra-se que havia uma orquestra de crianças e adolescentes que tocavam inclusive violino. Isso tudo, lá pelos idos de 1700. E muitos anos antes da civilização européia, implantaram um regime político que depois ficou conhecido como república. Ou seja, na estrutura de poder dos guaranis, a eleição dos líderes era feita pelo voto de cada habitante, homens e mulheres.
Nesse regime é que em 1751 foi eleito, pelo voto de todos, como uma espécie de prefeito ou cacique de São Miguel, o jovem guerreiro Sepé Tiaraju. Sepé falava e escrevia três idiomas: guarani, latim e espanhol!
Tudo isso era visto com muita desconfiança e ganância pelos impérios da época. Cansados de fazer guerra entre si, e disputar o mercado no nascente capitalismo comercial, o império português e o espanhol realizaram em 1751 o Tratado de Madri, que punha fim as suas disputas de mercado. E, por esse acordo, também trocaram a colônia de Sacramento, hoje Montevidéu, um pequeno povoado sob domínio dos portugueses, por um imenso território guarani, que ia do norte de Montevidéu até Asunción, no Paraguai, como se fosse espanhol. Era guarani.
Na verdade, foi selada uma aliança entre os dois impérios, para impedir que aquela civilização tão rica e que controlava tanto território se consolidasse, fora da influência nascente do capitalismo. Decidiram então que os povos nativos deveriam abolir sua organização social, abandonar seu território, suas casas, suas sete cidades da margem direita do riu Uruguai e passar todos para o oeste do rio. Pois do outro lado do rio seria a Espanha, e do lado de cá, Portugal. Os povos guaranis não aceitaram, apesar das ameaças do Vaticano e da traição da maior parte dos jesuítas que com eles viviam. E resolveram defender seu território e seu modo de viver. Sepé Tiaraju, como autoridade máxima dos sete povos, comandou a resistência, com seus 30.000 guerreiros que, armados apenas de lanças e flechas, tiveram que enfrentar o poder da pólvora e do canhão dos mais poderosos exércitos da época.
A maior parte dos guerreiros foi massacrada, mas eles não se entregaram! Milhares de mulheres e crianças cruzaram o rio Uruguai e foram viver no que atualmente é Missiones e Paraguai. Outros milhares se embrenharam na mata, fugiram, e geraram os que hoje são os remanescentes dos guaranis em todo o sul do país.
Sepé Tiaraju tombou em combate, no dia 7 de fevereiro de 1756, próximo a um riacho, onde se formaria a cidade de São Gabriel. Foi o início do fim. E a batalha derradeira se deu três dias depois nas colinas de Caiboaté, a uns 30 km de São Gabriel. Ali foram massacrados mais de 1.500 guerreiros guaranis, traídos pela ilusão de um acordo de paz. Seus corpos estão lá enterrados, sob a sombra de uma enorme cruz. E ninguém se lembrou de fazer qualquer escavação ou pesquisa sobre eles, até hoje.
Foi assim que o território dos guaranis passou a ser de Portugal e mais tarde se transformou em Rio Grande do Sul. Suas terras foram distribuídas entre os oficiais portugueses, que, além de controlar o novo território, formaram grandes fazendeiros de gado. E nasceu também o latifúndio da fronteira gaúcha, raiz de uma sociedade opressora e desigual até hoje.
Essas batalhas e a figura de Sepé Tiaraju se inserem nas gloriosas lutas de resistência dos povos nativos da América Latina, que enfrentaram com sua coragem e cultura os poderosos impérios. Assim fizeram os incas e seu Tupac Amaru, no Peru. Assim fizeram os quínchuas e seu Tupakatari, na Bolívia, todos no mesmo período histórico de Sepé e seus guaranis.
Fomos a São Gabriel nos abastecer dessa coragem, dessa vontade de defender nosso território, nossa cultura, nosso sonho de uma sociedade mais justa e igualitária. Fomos lá buscar energia nos guerreiros guaranis, que no passado enfrentaram os mesmos impérios. Agora, o império não vem invadindo nosso território com canhões e cavalaria, agora ele vem com seus bancos(comprando até nossos melhores jogadores de futebol para falsas propagandas), vem com seu capital, comprando nossas empresas, nossas terras... vem nos explorar, cobrando por serviços de telefone, de energia elétrica, que nós mesmo montamos e dos quais se apropriaram. Vem com suas mais altas taxas de juros do mundo! Mas o sentido da dominação e da exploração das riquezas é o mesmo. Agora não podem mais contar com parte dos jesuítas na defesa de sua ideologia. Agora invadem com a televisão, com suas mentiras e tonterias. Duzentos e cinqüenta anos depois, a rigor, a luta é a mesma. O povo versus o império do capital.
Talvez seja por isso que nenhum grande jornal, nenhum grande canal de televisão quiseram ir a São Gabriel. Estiveram lá apenas a TV Educativa do Paraná e a Telesur, que pretende ser voz e espaço dos povos da América Latina.
Salve, salve o povo guarani, que sobrevive heróico, resistindo há 250 anos! Resta-nos o consolo de que todos os impérios foram derrotados. E os atuais também serão.”
João pedro Stedile

Notas:
1. O Tratado de Madri foi assinado entre o império espanhol e o português em 15 de janeiro de 1750.
2. Em 1745 o papa emitiu a Bula Solicitudo Omnnium, onde condena o modelo de vida das missões guaranis.
3. Os povos guaranis habitavam um território aproximado de 400 mil km2, desde Assunção até o norte de Montevidéu, onde se estima que em 1750 viviam 600.000 pessoas, em mais de 70 povoações, sendo 33 na região hoje conhecida como Missões.

João Pedro Stedile é dirigente do MST e da Via Campesina