quinta-feira, setembro 21, 2006

Lula e Alckmin

Informativo Caros Amigos, nº 261, de 20 de setembro de 2006.

Os banqueiros sabem o que querem Lula e Alckmin

Por Gilberto Maringoni

Na edição anterior, este espaço foi ocupado por uma crônica com o sugestivo título "Afinal, o que quer essa mulher?" A mulher referida é a senadora Heloísa Helena. O texto desancava pesadamente a candidata à presidência da República pelo PSOL.
A pergunta é das mais pertinentes numa campanha eleitoral em que praticamente não há contornos programáticos definidos entre os dois postulantes à frente das pesquisas de intenção de voto. A questão não caberia se os sujeitos da oração fossem o presidente Lula (PT) ou o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB-PFL).
Não há nada mais previsível do que suas campanhas. Quem diz isso – vejam só! – é o banqueiro Olavo Setúbal, em entrevista à Folha de S. Paulo, em 31 de agosto último. Vamos a um trecho dela:
"Folha - Se ele ou o Alckmin for eleito, para o senhor tanto faz?
Setúbal - Não tem diferença do ponto de vista do modelo econômico. Eu acho que a eleição do Lula ou do Alckmin é igual.
Folha - Os dois são a mesma coisa?
Setúbal - Os dois são conservadores. Cada presidente tem suas prioridades, mas dentro do mesmo leque de premissas econômicas. Acho que o Lula vai conservar a premissa da linha de superávit primário, de metas de inflação e tudo o mais. São evoluções que estão consolidadas no Brasil e serão mantidas por qualquer presidente.”
Setúbal parece ter atendido a um apelo do próprio presidente Lula. Num rasgo de sinceridade, ele fez a seguinte declaração durante a inauguração de seu comitê eleitoral em Brasília, um mês antes: "Banqueiro não tinha porque estar contra o governo, por que os bancos ganharam muito dinheiro... Então, não tinham por que estar com tanta raiva e preconceito".
Estamos em meio a uma disputa eleitoral que encurta horizontes, amesquinha estratégias e transforma qualquer projeto de longo prazo em metas para 1º de outubro. Setúbal mostra que estamos diante da mais insossa e enfadonha campanha dos últimos anos.
Há uma razão básica para isso. Qualquer um que se dê ao trabalho de examinar as propostas econômicas do PT e do PSDB encontrará poucas diferenças reais entre elas. Os marqueteiros podem dourar a pílula e fazer a redação em estilos diferentes. Mas a essência das duas postulações tem como meta prosseguir com o ajuste fiscal, realizar mudanças constitucionais que desonerem o capital e penalizem o trabalho – como uma terceira reforma da Previdência, pretendida pelos dois candidatos – e manter cada vez mais as decisões do Estado nas mãos de interesses privados.
Estamos diante de duas vertentes do modelo neoliberal, uma mais à esquerda e outra mais à direita. Nenhuma delas visa melhorar a vida de nosso povo de forma duradoura. Uma tem uma bolsa-escola um pouco melhor, reajusta um pouco mais o salário mínimo, mas não se distancia do modelo herdado. Outra abusa do palavreado oco do "choque de gestão". Mesmo a política externa atual – área em que o governo Lula se sai um pouco melhor – apresenta problemas. Ela é ambígua. Há uma solidariedade a Hugo Chávez, dada apenas após o referendo revogatório em que se sagrou vitorioso em 2004 e um comportamento de dupla face em relação à Bolívia. Enquanto a diplomacia brasileira apresenta uma conduta louvável, a Petrobrás, pressionada por seus acionistas privados, busca endurecer o jogo com o governo Evo Morales. Não se pode esquecer também da falta de apoio à moratória argentina, em 2003, do envio de tropas brasileiras ao Haiti ou da abstenção em relação a Cuba, em duas oportunidades, quando uma comissão da ONU buscou condenar a Ilha por supostas violações de direitos humanos.
Se acharmos isso coisa pouca, olhemos para as manchetes da semana. Somente no mês de agosto, por conta da estratosférica taxa de juros, a dívida pública cresceu 25,08 bilhões de reais, três vezes mais do que é gasto em todos os programas sociais num ano. Quase metade dos jovens entre 16 e 24 anos está desempregada. A Volkswagen impõe uma chantagem ao país e inicia a demissão de 3.600 trabalhadores e nada acontece. E o país segue pelo caminho do baixo crescimento econômico, maior apenas que o do Haiti, um país mergulhado em guerra civil.
Vivemos tempos complicados para a esquerda brasileira. A eleição de Lula, em vez de potencializar debates, liberar forças sociais represadas e dar curso a transformações ainda que tímidas na estrutura social e econômica brasileira, teve efeito inverso. O presidente absorveu a formidável energia política dos 53 milhões de votos dados em outubro de 2002 – que misturavam apoio a uma pregação mudancista de 25 anos e um repúdio ao governo FHC – e transformou-a em impulso continuísta.
Com isso, semeou confusão e desalento entre a esquerda e o movimento popular e transformou-se numa providencial tábua de salvação para as classes dominantes – em especial, o setor financeiro – que viu seus representantes políticos serem repudiados nas urnas há quatro anos.
Alckmin, por sua vez, é a direita com cara de bom moço. Suas marcas principais são 69 CPIs abafadas na Assembléia Legislativa, o prosseguimento das privatizações e o descontrole na área de segurança pública e de direitos humanos.
Escolher entre Lula e Alckmin significa ter de optar entre o ruim e o muito ruim.
Assim, já se sabe o que o petismo e o tucanato querem. Voltemos à pergunta do artigo mencionado no início: "Afinal, o que quer essa mulher?" A resposta é simples: quer um Brasil onde o povo não seja apenas um detalhe.

Gilberto Maringoni é jornalista, autor de A Venezuela que se Inventa - Poder, Petróleo e Intriga nos Tempos de Chávez e coordenador da campanha de Plínio de Arruda Sampaio (PSOL-PSTU-PCB) ao governo de São Paulo.