Ambientalismo vivo
O Dr. Ulisses Guimarães dizia que não existe nada mais velho do que jornal de ontem. Ainda assim, quero comentar uma notícia já considerada antiga, mas que para mim é de extrema relevância, e que vem sendo veiculada modestamente pela imprensa nacional. No dia 12 de novembro, o ambientalista Francisco Anselmo de Barros, conhecido como Francelmo, ateou fogo ao próprio corpo em protesto contra a aprovação do projeto de lei 170/05 do governo do Mato Grosso do Sul, que vai permitir a instalação de usinas de álcool e açúcar na Bacia do Alto Paraguai, no Pantanal. A proposta esbarra na resolução 001/85 do Conama, que suspende a concessão de licenças ambientais para usinas nas bacias que se ligam ao Pantanal. O mesmo projeto fere ainda a Lei Nacional de Recursos Hídricos (nº. 9.433/97). O ambientalista morreu 24 horas depois do ato. De acordo com especialistas, essa mudança na legislação afetará a bacia pantaneira, pois o projeto de lei contém equívocos técnicos ao afirmar que não irá trazer riscos para o Pantanal. As empresas poluiriam apenas as bordas da bacia pantaneira, mas poluentes nas bordas da b
acia comprometem toda bacia, afirmas os especialistas. Francelmo tinha um histórico de lutas em defesa do meio ambiente. Foi o fundador da ONG Fundação para Conservação da Natureza de Mato Grosso do Sul (Fuconams), terceira entidade ambientalista mais antiga do Brasil, e participava ativamente de diversas outras Ong’s e entidades ambientalistas. Vivemos num país que não respeita as próprias leis que cria, e o povo, “acomodado por Deus, e pacífico por natureza”, muitas vezes não sabe para onde correr. Os políticos e grandes empresários fazem o que querem conosco, manipulando-nos como quem brinca de marionete. A lei existente (do período militar) proibindo essas usinas no pantanal visa proteger um santuário do nosso ecossistema, mas a ganância do capitalismo não vê natureza, apenas dinheiro. Que se ralem os ambientalistas, ecologistas, povo, leis. Para o capitalismo, o que vale é o dinheiro, e a capacidade de investimento para se ganhar mais dinheiro, para poder investir mais e ganhar mais dinheiro, para se investir mais e... O capitalismo tem o fim em si mesmo (e o agronegócio é um dos braços do capitalismo que mais põe dinheiro no bolso de quem investe nele), destruindo qualquer coisa que tente interferir neste ciclo predatório. O ato de Francelmo é encarado por alguns como heroísmo, por outros como loucura, e até mesmo como exibicionismo extremado. Nem heroísmo, nem loucura, muito menos exibicionismo. Foi um ato de desespero. De quem já não sabe mais para onde correr (e a quem recorrer). Ato de entrega e de amor ao máximo. “Se já não se pode viver num mundo digno, então que não se viva.” Francelmo se suicidou por amor à natureza, à Terra e à humanidade. Enfim, morreu por amor a todos nós. Morreu pela mesma causa que Che Guevara, Chico Mendes, Zumbi, Tiradentes, irmã Doroty, Jesus e muitos outros. Francelmo não é a primeira vítima do agronegócio, e infelizmente não será a última. Outras mortes vêm ocorrendo em diversas regiões do Brasil, mas sem o impacto do suicídio. Todos os anos, dezenas de pessoas morrem, em decorrência de queimadas sem nenhum controle, poluição das águas, solos contaminados, etc. A fumaça e a fuligem das queimadas castigam populações no norte e centro-oeste brasileiros. Para os grandes investidores do capitalismo, não importa se alguém morre vítima de queimadas em florestas, ou se o ecossistema está desequilibrado por causa da substituição de mata nativa por plantações de eucalipto. O ecossistema deles funciona bem, pois eles têm ar-condicionado para o calor e lareiras para o frio. E se, mesmo assim, ficarem doentes por causa da temperatura,
têm médicos particulares, clínicas especializadas e hospitais à disposição. Estamos perdendo a batalha contra o vale-tudo-por-dinheiro, mas ainda podemos inverter o jogo, se cobrarmos dos governantes mais cuidado com o que não pertence a nós, mas à humanidade. Temos que tratar o meio-ambiente de maneira correta e respeitosa, pois não podemos deixar para os nossos filhos um mundo pior do que recebemos dos nossos pais. Não vamos deixar que o ato de Francelmo tenha sido em vão.


0 Comments:
Postar um comentário
<< Home