sexta-feira, novembro 18, 2005

Ambientalismo vivo

O Dr. Ulisses Guimarães dizia que não existe nada mais velho do que jornal de ontem. Ainda assim, quero comentar uma notícia já considerada antiga, mas que para mim é de extrema relevância, e que vem sendo veiculada modestamente pela imprensa nacional. No dia 12 de novembro, o ambientalista Francisco Anselmo de Barros, conhecido como Francelmo, ateou fogo ao próprio corpo em protesto contra a aprovação do projeto de lei 170/05 do governo do Mato Grosso do Sul, que vai permitir a instalação de usinas de álcool e açúcar na Bacia do Alto Paraguai, no Pantanal. A proposta esbarra na resolução 001/85 do Conama, que suspende a concessão de licenças ambientais para usinas nas bacias que se ligam ao Pantanal. O mesmo projeto fere ainda a Lei Nacional de Recursos Hídricos (nº. 9.433/97). O ambientalista morreu 24 horas depois do ato. De acordo com especialistas, essa mudança na legislação afetará a bacia pantaneira, pois o projeto de lei contém equívocos técnicos ao afirmar que não irá trazer riscos para o Pantanal. As empresas poluiriam apenas as bordas da bacia pantaneira, mas poluentes nas bordas da bacia comprometem toda bacia, afirmas os especialistas. Francelmo tinha um histórico de lutas em defesa do meio ambiente. Foi o fundador da ONG Fundação para Conservação da Natureza de Mato Grosso do Sul (Fuconams), terceira entidade ambientalista mais antiga do Brasil, e participava ativamente de diversas outras Ong’s e entidades ambientalistas. Vivemos num país que não respeita as próprias leis que cria, e o povo, “acomodado por Deus, e pacífico por natureza”, muitas vezes não sabe para onde correr. Os políticos e grandes empresários fazem o que querem conosco, manipulando-nos como quem brinca de marionete. A lei existente (do período militar) proibindo essas usinas no pantanal visa proteger um santuário do nosso ecossistema, mas a ganância do capitalismo não vê natureza, apenas dinheiro. Que se ralem os ambientalistas, ecologistas, povo, leis. Para o capitalismo, o que vale é o dinheiro, e a capacidade de investimento para se ganhar mais dinheiro, para poder investir mais e ganhar mais dinheiro, para se investir mais e... O capitalismo tem o fim em si mesmo (e o agronegócio é um dos braços do capitalismo que mais põe dinheiro no bolso de quem investe nele), destruindo qualquer coisa que tente interferir neste ciclo predatório. O ato de Francelmo é encarado por alguns como heroísmo, por outros como loucura, e até mesmo como exibicionismo extremado. Nem heroísmo, nem loucura, muito menos exibicionismo. Foi um ato de desespero. De quem já não sabe mais para onde correr (e a quem recorrer). Ato de entrega e de amor ao máximo. “Se já não se pode viver num mundo digno, então que não se viva.” Francelmo se suicidou por amor à natureza, à Terra e à humanidade. Enfim, morreu por amor a todos nós. Morreu pela mesma causa que Che Guevara, Chico Mendes, Zumbi, Tiradentes, irmã Doroty, Jesus e muitos outros. Francelmo não é a primeira vítima do agronegócio, e infelizmente não será a última. Outras mortes vêm ocorrendo em diversas regiões do Brasil, mas sem o impacto do suicídio. Todos os anos, dezenas de pessoas morrem, em decorrência de queimadas sem nenhum controle, poluição das águas, solos contaminados, etc. A fumaça e a fuligem das queimadas castigam populações no norte e centro-oeste brasileiros. Para os grandes investidores do capitalismo, não importa se alguém morre vítima de queimadas em florestas, ou se o ecossistema está desequilibrado por causa da substituição de mata nativa por plantações de eucalipto. O ecossistema deles funciona bem, pois eles têm ar-condicionado para o calor e lareiras para o frio. E se, mesmo assim, ficarem doentes por causa da temperatura, têm médicos particulares, clínicas especializadas e hospitais à disposição. Estamos perdendo a batalha contra o vale-tudo-por-dinheiro, mas ainda podemos inverter o jogo, se cobrarmos dos governantes mais cuidado com o que não pertence a nós, mas à humanidade. Temos que tratar o meio-ambiente de maneira correta e respeitosa, pois não podemos deixar para os nossos filhos um mundo pior do que recebemos dos nossos pais. Não vamos deixar que o ato de Francelmo tenha sido em vão.