quinta-feira, novembro 10, 2005

Nem Nero faria melhor

O tempo está quente na capital da França, que virou Cidade-Luz, literalmente. Gangues de jovens estão incendiando carros e imóveis nos subúrbios de Paris, e as autoridades já decretaram toque de recolher, para poder conter os atos de vandalismos. Mas seriam apenas vandalismo, pura e simplesmente? A mídia brasileira não explica direito tudo isso, mas vamos tentar entender. Esses incendiários começaram a agir logo após a morte de dois adolescentes imigrantes que tentavam fugir da polícia, mas a história toda vem de muito antes. Só nos últimos seis meses, 60 pessoas já morreram (a maioria crianças) e centenas ficaram feridas em cinco incêndios em prédios de Paris. Duas características comuns nesses incêndios chamam a atenção.
Primeiro, todas as vítimas são filhos dos imigrantes provenientes de ex-colônias francesas mundo afora, e buscaram na França uma qualidade de vida que não tinham no país de origem, e que foram bem recebidos pelos franceses, pois realizavam as tarefas que o francês nato não se rebaixava para fazer. Segundo, nenhum desses incêndios começou como geralmente acontece: vazamento de gás, problema em instalação elétrica ou crianças brincando com fogo. Os incêndios nos prédios de Paris começaram nas escadas. E desde quando degrau é inflamável? Ahhh, já entendi. Eles estavam fumando nas escadas (provavelmente maconha) e, por acidente, botaram fogo no prédio. Mas como é que isso nunca tinha acontecido antes. Só houve descuido nos últimos seis meses? Não. Os jornais parisienses afirmam que em todos os casos há indícios de que a origem do fogo é criminosa.
Então é assim que funciona. O prédio é público, está em péssimas condições, mas tem boa localização. Está cheio de imigrantes, todos pobres, desempregados e famintos. Ocupam lugar nos hospitais, escolas e outros serviços, mas não cultivam a mesma cultura nem a mesma religião (enquanto a França é predominantemente católica, a maioria dos imigrantes é islâmica). Esses franceses estragam a paisagem e cometem pequenos delitos. De repente, como num passe de mágica, faz-se a luz. Os prédios começaram a pegar fogo. Que coincidência, não?
Então tais imigrantes fazem manifestações por melhores condições de moradia e são reprimidos. Depois, os dois adolescentes morrem. A queima de carros e os saques estão sendo atos de revolta causado pela baixa qualidade de vida, miséria, desemprego, prostituição.
Agora, a elite francesa se pergunta, perplexa, “de onde saio essa gente?” “Eles já estavam aí ontem?” Sim, já estavam. Mas acontece que esses milhões de imigrantes são invisíveis quando vistos do topo da pirâmide, pois não freqüentam clubes, universidades e shopping. São cidadãos franceses (africanos, asiáticos, latinos, feios, árabes e outras coisas), mas não fazem parte do “liberté, igalité, fraternité”. O povo francês está preste a derrubar a Bastilha de novo, e a guilhotinar aqueles que os excluem. Os protestos já chegaram à Alemanha, Bélgica e Espanha. No Brasil ainda se queimam mendigos. Chegará o dia em que mendigos atearão fogo em nós. Isso é resultado da opressão, exploração e exclusão social.